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“Nenhuma criança pode tomar  vacina, se matricular numa escola sozinha, comprar uma coisa, assinar nada, por ser considerada incapaz pela lei. Porém, do ponto de vista do marketing, é considerada um consumidor normal, porque o marketing fala diretamente com a criança”, diz  Maria Helena Masquetti, psicóloga do Instituto Alana, em palestra realizada aos pais dos alunos da DEdIC.

A palestra “Criança e Consumo: A Publicidade Infantil e o Consumismo na Infância” seria ministrada pelo advogado Pedro Hartung, que também luta pelos direitos da criança junto ao Instituto Alana. Mas, como não pôde comparecer por estar ocupado com uma das causas do instituto, foi substituído por Maria Helena, que expôs o tema da publicidade direcionada a crianças, às 9h do dias 28/03, no auditório do DGA.

A psicóloga afirmou que é importante conversar com os pais sobre este assunto, pois eles muitas vezes acreditam estar fazendo o melhor para os seus filhos ao comprar o que eles pedem, estimulados pelo constante assédio do marketing. O que os pais querem, segundo Maria Helena, é ver os filhos felizes. Afinal, a palavra felicidade é muito abordada pelos comerciais, que dizem às crianças que elas precisam dos produtos anunciados.

Os comerciais utilizam-se propositalmente de expressões como “chegou a sua vez”, “só falta você”, “não fique de fora”. “São as expressões mais usadas pelo marketing, que vão ao encontro da sensação de temor que as crianças têm de ficarem excluídas dos grupos”, defendeu a especialista. Ela também reforçou que as crianças não sabem dizer aos pais que não precisam de objetos, mas sim da presença materna, paterna, do contato com a natureza, para se constituírem melhor como pessoas. Esta falta de entendimento por parte da criança associada à falta de tempo dos pais para analisar as propagandas promove um terreno fértil para a publicidade abusiva. Esta, segundo a psicóloga, pode trazer consequências terríveis para os pequenos. Maria Helena utilizou, em sua palestra, comerciais e propagandas denunciados pelo Instituto Alana para ilustrar tais consequências.

Uma delas é a obesidade infantil, já que o marketing estimula o consumo de alimentos calóricos e pobres em nutrientes. De acordo com uma pesquisa feita pelo IBGE, 33% das crianças brasileiras estão com sobrepeso; 15% já são obesos. Concomitantemente, 89,7% dos alimentos anunciados à criança são ricos em gordura e açúcar.

Outra consequência da publicidade abusiva, segundo Maria Helena, é a erotização precoce. Para ilustrar, exibiu um comercial que anunciava a Barbie “Fashion Fever”, enunciando a frase “seja o que você quiser”. No entanto, disse Maria Helena, a mensagem subliminar diz à criança que ela pode ser o que quiser, desde que seja a Barbie. “Isso limita as possibilidades de ser da criança”, complementou. A erotização precoce insere a criança no mundo adulto, o que resulta no encurtamento da infância. No entanto, é comum que as meninas, por exemplo, queiram usar salto alto e passar batom, imitando a mãe. Maria Helena garante, porém, que uma coisa é a criança ter determinado comportamento porque é algo que vem de dentro dela, a vontade de crescer, de se parecer com a figura materna. Outra coisa, bem diferente, é  ser estimulada por adultos (mentes por trás dos comerciais) a se comportar de tal forma. A criança é um ser criativo, “não precisa que os adultos digam nada para ela”.

A palestrante também explicou que determinadas propagandas promovem um estresse familiar. Por exemplo: nenhum comercial de televisão diz “não” à criança. Porém, os pais precisam dizer não e impôr limites, para o bem dos filhos, ou seja, a publicidade apresenta, neste sentido, uma concorrência desigual e antiética para com os pais. Além disso, a falsa ideia de famílias perfeitas propagada na televisão traz frustrações e desarmonia nas relações do lar, como explicou a psicóloga.

O estímulo à violência e à delinquência também foi citado como consequência da publicidade abusiva dirigida ao público infantil, pois cria-se uma relação afetiva da criança com o consumo e também com os personagens e situações de violência mediados. Por outro lado, crianças que vivem em condições financeiras precárias e sofrem com a exclusão podem ver os produtos anunciados na televisão como ingresso social.

Algumas mãe presentes na plateia dialogaram com Maria Helena e compartilharam experiências. Uma delas disse que o filho assiste somente a desenhos no Netflix, porque assim não fica exposto à publicidade. “Mas não adianta, porque ele vai para a escola e é influenciado pelos amigos”, afirmou ela. “Não queremos que os nossos filhos tenham esse sentimento de exclusão”, disse outra mãe.

Maria Helena, porém, defende a regulamentação da publicidade dirigida a crianças, pois assim todas elas poderiam ser respeitadas e crescer de forma saudável. Mencionou, ao final da palestra, que em 2007, depois de uma árdua luta do Instituto Alana, o Supremo Tribunal Federal considerou a publicidade infantil como sendo abusiva. Mas a luta continua, afirmou ela. Em 2014, a Resolução 63, publicada no diário oficial da União, também proibiu a prática. A legislação existe, mas muitas empresas ainda insistem em veicular propagandas que falam diretamente com a criança.

Segundo Maria Helena, as crianças vivem num mundo lúdico, em que há  alternância entre fantasia e realidade. Ao ver um comercial, elas são fisgadas pela emoção, e não têm maturidade suficiente para vencer o impulso pela razão. Por isso, esta prática do marketing seria abusiva.

Além de lutar e denunciar empresas que insistem em desrespeitar a infância, a psicóloga sugeriu que as crianças devem ser estimuladas a brincar e a criar, porque é dessa forma que elas aprendem. “O brinquedo que a criança mais ama é aquele que ela fez”, disse Maria Helena, apresentando uma alternativa aos brinquedos anunciados pelo marketing, que faz com que as crianças não tenham tempo para descobrir quais são seus próprios desejos. “Todas as crianças quererem a mesma coisa não é normal”, afirmou.

A palestrante encerrou com a exibição de parte do documentário “Criança: A alma do Negócio”, que aborda o tema da publicidade infantil e traz depoimentos de especialistas, pais e, é claro, das próprias crianças. Outro vídeo exibido foi “Criança vê, criança faz! Dê o exemplo”, que demonstra como os pequenos aprendem com o exemplo dos pais.

Assim como Maria Helena e o Instituto Alana, a DEdIC acredita que a criança deve crescer no tempo certo, brincar, criar, ter liberdade para descobrir quais são suas vontades, para expressar sua individualidade. A escola, a família e as demais instituições devem unir forças para que isso seja possível.

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